Archive for Setembro, 2006
O Mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa, Mensagem, 1934
Confiança
Confiança
O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura…
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova…
Miguel Torga
Gozo e dor
Gozo e dor
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida ou a razão.
Almeida Garrett
Coitado! que em um tempo choro e rio
Coitado! que em um tempo choro e rio
Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.
Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.
Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;
Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
Camões
8000 VISITAS!
Nesta vida irregular
de mil ódios e três amores
ou de 8000 visitas!
há extrema lealdade
de tão ávidos leitores!
Parabéns aos criadores deste blog por terem criado algo com sucesso; e especialmente parabéna e obrigado a todos vocês, que têm a coraqgem de visitar esta página! Evoluimos muito, desde que tocamos na primeira tecla do primeiro post até este ponto! PARABÉNS, POEMAS DO MUNDO!
RAFAEL
Se deste Outono
Se deste outono uma folha,
apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,
e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo
de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria.
Eugénio de Andrade
Obra Poética de Eugénio de Andrade http://nescritas.nletras.com/eandrade/
Como se a Pedra
Escuto como se a pedra
cantasse. Como
se cantasse nas mãos do homem.
Um rumor de sangue ou ave
sobe no ar, canta com a pedra.
A pedra nas suas mãos
obscuras. Aquecida
com o seu calor de homem.
O seu ardor
de homem. Escuto
como se fora a minúscula
luz mortal que das entranhas
lhes subisse à garganta.
A sua mortalidade
de homem. Canta com a pedra.
Eugénio de Andrade
A Sílaba
Toda a manhã procurei uma sílaba.
É pouca coisa,é certo:uma vogal,
uma consoante,quase nada.
Mas faz-me falta.Só eu sei
a falta que me faz.
Por isso a procurava com obstinação.
Só ela me podia defender
do frio de janeiro,
da estiagem do verão.Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação.
de Ofício de Paciência.
O Objecto
Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo foram janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelos nomes que elas são.
Ary dos Santos
Recado a um militante
Já sabemos de quem é o poema desconhecido, é de José Fanha e chama-se “Recado a um militante”, foi publicado num caderno de poesia chamado “Olho por olho” de 1976. Esta informação foi-nos fornecida pelo próprio José Fanha.