Archive for Janeiro, 2007
Mors-Amor
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: “Eu sou a Morte!”
Responde o cavaleiro: “Eu sou o Amor!”
Antero de Quental
Posto me tem Fortuna em tal estado
Posto me tem Fortuna em tal estado,
E tanto a seus pés me tem rendido!
Não tenho que perder já, de perdido;
Não tenho que mudar já, de mudado.
Todo o bem pera mim é acabado;
Daqui dou o viver já por vivido;
Que, aonde o mal é tão conhecido,
Também o viver mais será escusado,
Se me basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém;
E curarei um mal com outro mal.
E, pois do bem tão pouco bem espero,
Já que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.
Luís de Camões