Quase

Agosto 29, 2006 at 6:37 pm 2 comentários

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Mário de Sá Carneiro

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Respiro o teu corpo Geografia

2 comentários Add your own

  • 1. Elis  |  Agosto 21, 2007 às 5:03 pm

    Adoro o poeta Mário de Sá, acho ele um gênio e mesmo que muitas pessoas o achem depressivo demais ou coisa parecida, não me importo, pelo contrário, me identifico muito com os poemas dele, me fasciana tamanha nostalgia. Recomendo a todos.

    Responder
  • 2. Eduardo  |  Agosto 29, 2007 às 4:24 pm

    Lindíssimo poema. Belíssimo. Quanto a ser depressivo, os poetas sofrem influência da época em que vivem, com ele não foi diferente. Quem dera todos os poetas do mundo fossem o que fossem… – mas escrevessem sem parar!

    Responder

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